Videoconferência Bolsonaro com empresários em meio à crise do coronavírus é penoso documento histórico.
Por Elio Gaspari - Folha de São Paulo 25/3/20
Na sexta-feira (20) da semana passada Jair Bolsonaro e
três ministros participaram de um evento
organizado pelo presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).
Numa videoconferência de uma hora, falaram 14 grandes empresários ligados à
guilda. É um penoso documento histórico e está na rede.
Dez deles gastaram seu tempo com platitudes ou simples
bajulações. Alguns disseram o óbvio: há o problema dos transportes, o mercado
se contraiu e as empresas precisam de crédito.
Ofertas concretas e bem-vindas vieram de Jean
Jereissati (Ambev) e de David Feffer (Suzano). Um contou que sua fábrica do Rio
foi reciclada para produzir álcool que será doado à rede pública. O outro
revelou que doará 500 mil máscaras.
A reunião produziu três “Momentos Fiesp”. O primeiro
aconteceu depois que Eugênio de Zagottis, falando pelas farmácias, pediu o
razoável adiamento da remarcação de preços prevista para a semana que vem: “O
Brasil não precisa dessa manchete”.
Deu-se uma saia justa. Carlos Sanchez, representante da
indústria farmacêutica, retomou a palavra, dizendo que os aumentos
para remédios relacionados com a Covid-19 poderiam ser adiados. Quanto
aos demais só haveria dois caminhos, um dólar de R$ 4 para o seu setor ou uma
redução de 5% na margem das farmácias, que deveria ser repassado à sua
indústria. A proposta de Zagottis ficou no ar.
Num outro episódio, Rubens Ometto, o maior produtor de
álcool neutro do país, trouxe uma agenda filosófica: “A gente precisa tomar
muito cuidado com as promessas que têm sido feitas para a população, porque às
vezes você pode quebrar uma cadeia dos serviços e dos negócios que são feitos,
como a promessa de itens grátis, como água, como luz, como esse negócio todo.
Vai se criando uma ideia de que não há necessidade de pagar”.
Tudo bem, mas tinha-se acabado de tratar, sem sucesso,
da conveniência de se adiar um aumento de preços de remédios.
No terceiro episódio, Edson Queiroz Neto pediu que
aviões da FAB fossem à China para buscar suas encomendas relacionadas com a
epidemia. Tomou um contravapor do ministro da Casa Civil, Braga Netto,
lembrando-lhe que a Vale fretou um avião para buscar o material que doará.
A Vale, que não estava na reunião, fechou na China a
compra de 5 milhões de testes rápidos. A primeira remessa, de 1 milhão, deve
chegar na próxima sexta-feira (27). Os 4 milhões restantes chegarão em meados
de abril. Essa doação equivale à metade
das unidades que o Ministério da Saúde estima necessitar. Tudo sem
necessidade de pagar.
A Fiesp mostrou um rosto cenográfico e alguns grandes
empresários mostraram-se pedestres e pedinchões. (Paulo Skaf, presidente da
Fiesp, prometeu 5.000 leitos. Enquanto ele falava, o ministro Luiz Henrique
Mandetta tamborilava com os dedos na mesa.)
No dia seguinte a essa cena espetaculosa e irrelevante,
uma franquia da Domino’s, sem fanfarra, mandou umas 30 pizzas aos profissionais
da saúde de um hospital público do centro do Rio, com o seguinte bilhete: “Com
um toque de amor, em agradecimento a todos vocês que estão linha de frente, se
sacrificando por nós”.
De vez em quando, surge a ideia de que o ato de pagar
(e de receber) não é tudo na vida de um povo, de uma empresa ou até de uma
pessoa.
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