De autoria do ex-deputado Felipe Bornier (RJ), o projeto
exigia ensino fundamental completo, curso de qualificação na área, idade mínima
de 18 anos, atestados de bons antecedentes, além de aptidão física e mental.
Julia Neves
- EPSJV/Fiocruz
Foram 12
anos de tramitação até o dia 8 de julho, quando o presidente Jair Bolsonaro
vetou integralmente o projeto de lei nº 11/2016 – nascido na Câmara dos
Deputados com o nº 1385/2007 –, que criaria e regulamentaria as
profissões de cuidador de pessoa idosa, cuidador de pessoa com deficiência,
cuidador infantil e cuidador de pessoa com doenças raras. Na
justificativa, o presidente informa que o Ministério da Economia foi contra a
sanção do PL argumentando que, ao criar condicionantes para a profissão de
cuidador, a lei restringiria o livre exercício profissional garantido pela
Constituição. E, portanto, seria inconstitucional. O veto , entretanto, ainda
poderá ser derrubado nos próximos 30 dias por deputados e senadores em sessão
conjunta.
Para o
professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV/Fiocruz) Daniel Groisman, que coordena o curso de cuidador de idoso na
instituição, chamar de inconstitucional a criação de uma profissão é uma grande
contradição. “É totalmente equivocado. Se fosse inconstitucional criar
profissões, nenhuma profissão existiria”, aponta, afirmando que o veto impacta
imediatamente não só centenas de milhares de trabalhadores que tinham a
expectativa dessa profissionalização, mas também as pessoas que necessitam
desses cuidados.
Texto
lacônico
Para ele, o
debate sobre a necessidade de regulamentar a profissão já devia ter sido
superado após mais de uma década de tramitação no Congresso. O PL passou por
diversas comissões, receber pareceres e, por fim, ser apreciado na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania tanto da Câmara quanto do Senado. “Foi uma
justificativa pouco cuidadosa, um texto lacônico”, lamenta.
Ana Gilda
Soares dos Santos, presidente da Associação dos Cuidadores da Pessoa Idosa, da
Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro (Acierj), considera
o veto um total desconhecimento da realidade e das necessidades da sociedade,
“em especial da população idosa, das pessoas com transtorno mental que viveram
anos trancados nos manicômios, das pessoas com doenças raras e das pessoas com
deficiência”. “O veto tira a oportunidade de qualificação e de uma educação
continuada, pois o cuidado não é um trabalho banal. Nós estamos nas residências
particulares, nos Centros de Atenção Psicossocial, em abrigos para crianças e
adultos e em tantos outros lugares e não temos nosso trabalho reconhecido e
respeitado, muitas das vezes”, lamenta.
Luta
antiga
Reivindicação
antiga da categoria, a regulamentação é considerada por Groisman uma forma de
valorização ao delimitar as atribuições e buscar a melhoria da escolarização e
qualificação profissional desses trabalhadores, em sua maioria mulheres dos
segmentos mais pobres da população. “Fala-se na necessidade de profissionalizar
os cuidadores no Brasil desde o final do século 20. Nos últimos anos, sobretudo
em função do enorme aumento do número de pessoas idosas, essa necessidade se
fez mais presente”, aponta Groisman.
O
crescimento de cuidadores pode ser verificado a partir dos dados da Relação
Anual de Informações Sociais (Rais) divulgados pelo extinto Ministério do
Trabalho no final de 2018. De acordo com o levantamento, houve um boom de
pessoas que declararam ter essa ocupação nos últimos dez anos, com um aumento
de 547% no período.
O fenômeno
está relacionado às mudanças demográficas no Brasil. Segundo dados do Estudo
Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), divulgados em
outubro de 2018 pelo Ministério da Saúde, atualmente, os idosos (pessoas acima
de 60 anos) correspondem a 14,3% da população – o equivalente a 29,3 milhões de
habitantes. Em 2030, esse número deve ultrapassar o de crianças e adolescentes
(de zero a 14 anos), com 43,2 milhões de idosos para 42,3 milhões do outro
grupo.
Após o
veto, Groisman afirma que associações ligadas a cuidadores e entidades de
defesa dos direitos dos grupos que seriam atendidos pelo projeto de lei estão
se articulando para reagir. “O veto será examinado em sessão conjunta no
Congresso e existe uma articulação para sensibilização dos parlamentares para
que seja derrubado e a lei promulgada”, explica.
O desafio
de superar vetos não é novidade na área dos cuidados à pessoa idosa. Groisman
lembra da lei 7332, de 2016, que estabelece normas para o exercício da
atividade profissional de cuidador no âmbito do estado do Rio de Janeiro. “Ela
foi vetada pelo governador à época, mas o veto foi derrubado pela assembleia
legislativa e, desde então, está em vigor”, observa.
Na
direção errada?
Com esse
veto, o Brasil vai na contramão de diversos países do mundo que estão avançando
na criação e desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os idosos. No
último dia 5, o parlamento português aprovou por unanimidade o projeto de lei
que estabelece o Estatuto do Cuidador Informal. No país, a estimativa é que
existam mais de 200 mil pessoas com a única atribuição de cuidar de parentes,
em sua maioria idosos total ou parcialmente dependentes. Se sancionado pelo presidente
Marcelo Rebelo de Sousa, o estatuto fará com que os cuidadores informais tenham
direito a um subsídio governamental em moldes e valores que ainda serão
definidos. O benefício vai alcançar apenas os cuidadores principais – cônjuges
ou familiares até quarto grau que se dedicam permanentemente a isso – e apenas
para quem tiver rendimentos baixos.
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