Márcio
Mizael vive do efêmero numa praia do Rio de Janeiro. Ele mora na rua desde os 8
Por Maria Martín – El País
Márcio Mizael Matolas nasceu há 44 anos em um bairro paupérrimo do Rio de Janeiro, mas hoje mora
num castelo. Construído num dos calçadões com o metro quadrado mais caro da
cidade, ele tem vista livre para o Atlântico, vizinhos nobres e uma quadra de
vôlei no quintal. O homem usa coroa de rei e os banhistas param para tirar
fotos junto à fortaleza. Seu reinado, porém, é tão efêmero como a areia, mas
foi assim que concebeu sua forma de viver: “As pessoas gostam muito de
possuir. Eu tento não me apegar a nada”.
O homem, apelidado “Castelinho”, perdeu
o pai assassinado antes de nascer e aos oito anos se lançou à rua.
Começou vendendo quadrinhos, revistas e livros velhos no bairro do Flamengo, na
zona sul da cidade, sem saber ler uma palavra do que oferecia. Foi na praia
desse bairro onde lembra ter construído seu primeiro castelo: uma pirâmide.
“Depois aprendi a fazer pirâmides incas, maias, astecas... Via os desenhos nas
revistas”, relembra quase quatro décadas depois sob a sombra de uma árvore da
praia do Pêpe, na Barra de Tijuca.
Castelinho, no pôr do sol na praia do Pêpe, na Barra de
Tijuca (Rio). ARIEL SUBIRÁ
Com cerca de 10 anos, Castelinho já fazia seu dinheiro,
ajudava a mãe e era conhecido no bairro. Sempre rodeado de livros, os moradores
ensinaram ele a ler. Não sabe dizer quantas obras já devorou desde então, mas
há uma que não esquece, mesmo porque já a leu quatro vezes. Capitães de
Areia, de Jorge Amado, narra o cotidiano de um grupo de meninos sem
teto na Bahia e também o dele próprio. “Ele retrata bem a vivência de rua, o
sentimento de egoísmo e de solidão”, diz este rei de bermuda.
Um dia uma família se dispôs a adotá-lo, mas ele se
recusou. “Eu sempre quis o carinho da minha família, não de outra”, explica.
“Sempre vi as mães dos outros abraçando os filhos e eu chorava muito com isso.
Ela já me abraçou quando eu fui mais velho, mas sabe essa coisa de que, quando
arranha, é difícil tirar a marca?”.
Com 14 anos, Castelinho acumulava mais de 15.000 livros numa rua de Leblon e
nos tempos vagos ia para a praia para construir sereias e jacarés que o mar
levava antes de qualquer um admirar. Começou também a brincar com origami, a
arte japonesa de dobrar papel que um senhor lhe ensinou no hospital quando se
recuperava do atropelamento de um ônibus. Fazia borboletas, mas também bonecos
complexos. Casou e foi, por fim, morar sob um teto. Não deu certo. Tampouco os
relacionamentos que vieram depois. “Poxa, há tanto tempo que não sinto o
amor... Elas não entendem minha liberdade. Em seguida querem mudar como eu
vivo. Me dizem: pô, eu não quero morar num castelo!”, diz rindo, com seu
sorriso quebrado, da sua própria ironia.
O habitáculo onde ele mora, nos fundos desse palácio,
tem até seu jeito. Escondido na estrutura de areia, o buraco tem sacos de
dormir e redes no chão e prateleiras de livros nas paredes. Na porta fica
Humana, a cachorra. “Já fiz castelo em Copacabana, onde tem um monte de
turista. Mas aqui é sossegado, posso ler”. Protegido de desabamentos por sacos
de areia e pilares de madeira, Castelinho não
teme a chuva tropical do verão. “É pior o sol, que seca tudo e estraga”,
diz, prometendo se dedicar umas quantas horas a restaurar sua obra.
Castelinho
mostra sus aposentos dentro do castelo de areia. ARIEL SUBIRÁ
Castelinho acha que lembrar do pior momento da vida é
um exercício difícil. Mas recorda o mais feliz. “Uma vez eu fiz um castelo
mirabolante em Copacabana, me deitei na frente dele e pensei: Cara, sou foda!”.
No sol escaldante do início do verão, cigarro numa mão e uma latinha de cerveja
na outra, o homem alimenta seu sonho: montar um ateliê onde trabalhar com mais
matéria efêmera.
Durante a conversa, duas mulheres de chinelo de salto,
vestidos de renda compridos e óculos de espelho posam com duas crianças na
frente do palácio. Sentam numa cadeira de madeira batizada de “Trono das
Estrelas” e lançam as melenas para um lado. “Pode botar a coroa!”, grita
Castelinho de longe. As visitantes o ignoram, terminam suas fotos e vão embora
sem soltar um centavo. “Antes eu brigava, tentava explicar que isto aqui não
nasce sozinho, que preciso carregar areia, água, que preciso manter a
estrutura, que as costas doem. Mas há um tempo que resolvi que era um desgaste,
e que viva a arte!”.
Veja também: FUNAI divulga vídeo de indígena isolado
https://sarafoatomico.blogspot.com/2018/07/funai-divulga-video-de-indigena-que-e.html
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