sexta-feira, 27 de julho de 2018

‘BOLSONARO APP’ PROMETE COMBATER FAKE NEWS, MAS ESPIONA FOTOS, CARTÃO DE MEMÓRIA E LOCALIZAÇÃO


Por Tatiana Dias - The Intercept Brasil
COM A PROMESSA de servir de “guia para destruir fake news”, o Bolsonaro APP chegou à Google Play, a loja de aplicativo Android, há um mês. O aplicativo foi propagandeado por youtubers de direita e, divulgado intensamente pelo WhatsApp, teve uma rápida ascensão. Foram mais de 10 mil downloads, número que o fez ficar, em certo momento, entre os dez aplicativos mais baixados na categoria “jornais e revistas” no Android.
A estratégia do aplicativo para “destruir as fake news” é criar canais para divulgar as propostas de Bolsonaro. O visual é simplório e as funcionalidades, pouquíssimas: apenas conteúdo em texto e imagens, carregados de outros sites. Há várias resenhas positivas, mas também um grande número de reclamações por causa dos erros de português. Em resposta, os desenvolvedores avisavam que teriam atualizações constantes.
As funcionalidades simples, no entanto, contrastam com o grande número de permissões que o aplicativo exige do usuário para que seja instalado. Uma vez baixado, o app exige autorização para acessar fotos e arquivos, acessar e alterar o cartão de memória e ter acesso à localização precisa da pessoa, que é calculada combinando informações do GPS e do Wi-Fi. Seriam exigências justificáveis se o aplicativo fosse um editor de imagens ou um navegador tipo o Waze – mas suas funcionalidades nem chegam perto disso.

Tecnicamente, o Bolsonaro APP oferece apenas conteúdo com links para os outros sites, carregando as informações da internet. Além da autorização para o acesso à internet, nenhuma das permissões exigidas eram realmente necessárias para seu funcionamento.

“Se é para informar fake news não é necessário acessar localização”, diz Ana Carolina Da Hora, programadora e pesquisadora que desenvolve aplicativos para celular desde 2013. Só faria sentido se o app exibisse notícias de acordo com a cidade onde o usuário está – o que não é o caso.

Ela explica que, por padrão, os aplicativos não têm acesso à localização e que esses dados podem ter outras requisições por trás. “Pode ser um tanto perigoso ter a sua localização rastreada por um app duvidoso”, ela diz. O mesmo acontece com o acesso a fotos e informações do cartão de memória.

“O Bolsonaro app usa a retórica do combate às fake news para se estabelecer como uma plataforma de disseminação de notícias falsas e discurso do ódio”, diz Joana Varon, pesquisadora de privacidade e fundadora da Coding Rights, organização que atua na defesa de direitos na internet. “É uma espiral de desinformação que se retroalimenta.”
Alexandre Frota e Major Olímpio
O isolamento imposto por todos os partidos rendeu a Jair Bolsonaro exatos oito segundos na televisão durante a campanha. Para contornar o problema, o candidato aposta em métodos alternativos – redes sociais e o WhatsApp, principalmente, para divulgar suas ideias.

O Bolsonaro APP foi descoberto pelo Checazap, projeto de checagem de notícias que apura a veracidade de mensagens enviadas no WhatsApp. Depois de receberem um aviso sobre o aplicativo, os estudantes responsáveis pelas checagens foram atrás de explicações. “O app tem as funções limitadas ao texto – não é possível postar fotos ou vídeos. Não tem sentido. Quem controla o aplicativo pode roubar fotos, mensagens e qualquer coisa no sistema de arquivos do celular”, disse a eles a programadora Erin Pinheiro, do LabHacker. Segundo a apuração, a assessoria de Bolsonaro afirmou que não tem relação com o aplicativo.

Os vídeos de divulgação – todos extra-oficiais – afirmam que o app foi um “presente de fãs” ao candidato. No Google Play, os desenvolvedores do aplicativo se apresentam como Fábrica Mídia18. Ela tem uma atuação recente – cerca de um mês – e também é responsável por três outros aplicativos: o do Alexandre Frota, do Vlog do Lisboa e do Major Olímpio, todos expoentes da direita que apoia Bolsonaro. Major Olímpio é, também, candidato ao Senado e cabo eleitoral do PSL em São Paulo. Em comum, todos os apps têm funcionalidades simples e coletas de dados excessivas.

Não há site da empresa e nem registro de CNPJ. O domínio usado para divulgar o aplicativo usa uma proteção de privacidade, justamente para que quem o registrou não seja identificado.
Tão rápido quanto se popularizou, no entanto, o aplicativo saiu do ar. O Google Brasil diz que não comenta casos específicos, mas explica que remove aplicativos se houver uma infração nos termos de uso da empresa. A avaliação é feita por meio de denúncias. Segundo o Google, um aplicativo pode ser removido por falta de transparência e coleta excessiva de dados, por exemplo. Vale lembrar, no entanto, que para quem o baixou o Bolsonaro APP continua funcionando – e coletando informações. E os outros aplicativos dos mesmos desenvolvedores continuam disponíveis para download.

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