O jornalista Ricardo Cappelli decifra a equação Jair
Bolsonaro, faz uma leitura sobre seu eleitorado, afirma que a centro-direita
ainda não tem candidato, e volta a insistir na unidade da esquerda sob pena de
um desastre civilizacional no Brasil.
Ricardo Cappelli*
Na suposta falência do estado, armar todas as pessoas
pode ser uma “boa” solução para a violência. Na desordem, uma mão forte com
saídas fáceis (e equivocadas) parece ser ótima.
A democracia, ou o receio do arbítrio, é um valor
distante e relativo. Se eu só conheço a esquerda, talvez o “diferente” seja
melhor.
A análise de alguns dados do TSE nos dá algumas pistas
do que está acontecendo no Brasil.
Tomemos um jovem de 16 anos como parâmetro. Com esta
idade em 1974 já era possível compreender minimamente as consequências sociais
e políticas da ditadura.
Em 2018 este adolescente da década de 70 está com 60
anos. A campanha das Diretas é de 1983/84. Quem tinha 16 anos hoje é um
cinquentão.
Segundo o TSE, temos 42% do eleitorado com mais de 45
anos (seria mais preciso se tivéssemos dados apenas dos eleitores com mais de
50 anos). Esta é a parcela que vivenciou a ditadura e/ou a campanha pelas
diretas.
Pelo menos 60% do eleitorado não possui memória afetiva
que os ligue à luta democrática. O arbítrio é um fantasma muito distante.
Lula chegou ao poder em 2003. Quem tinha 16 anos quando
Luiz Inácio subiu a rampa tem hoje 31 anos.
Os eleitores com até 34 anos representam 37% do
eleitorado. Quase 40% dos eleitores só sabe o que é ser governado pela
esquerda. Lula e Dilma são o “piso”.
Os jovens estão atrás do teto, que lhes é vendido todos
os dias pela grande mídia como um oásis fascinante. Buscam o futuro e não o
passado.
Não espanta que Bolsonaro tenha na juventude seu melhor
desempenho. Segundo o último Datafolha, 23% dos eleitores entre 16 e 24 anos
escolhem o Capitão.
A internet e as mídias sociais inauguraram uma nova
temporalidade. O relógio não é mais o mesmo. Vivemos na sociedade líquida dos
estímulos permanentes em direção ao próximo segundo. A ansiedade é a principal
chaga do século XXI. Olhar para trás é “proibido”.
Estímulos sucessivos esmagam nossa capacidade de
reflexão.
Ratos adotam padrões a partir de choque elétricos. O
impeachment e a Lava Jato inauguraram um processo de choques sucessivos. Temos
uma sociedade assustada, com o desemprego e a violência batendo à porta.
Vivemos uma brutal crise de representatividade. O
desespero entope os ouvidos.
Se o coletivo faliu, menos Estado, menos impostos e
cada um por si. O mercado “equalizará as oportunidades e garantirá um lugar ao
sol” para quem é honesto e trabalhador.
Se a esquerda foi o padrão recente, a contestação, o
“rebelde” é ser de direita. Se os políticos são todos corruptos, que tal um
“não político” forte para resolver?
E se o escolhido for a novidade, bater na Globo e
rejeitar o “padrão marqueteiro”, uma espécie de anti-establishment?
A centro direita continua sem candidato. A medida que o
ventos sopram e os caminhões empurram, a possibilidade da extrema direita
galvanizar o mercado e polarizar parcelas do centro aumenta.
A esquerda brasileira deveria refletir e se unir
enquanto ainda há tempo. Um desastre civilizacional pode estar a caminho.
*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado
do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União
Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.
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