Cartografia das redes de
corrupção estabelecidas no Brasil de 1987 a 2014 a partir dos escândalos
divulgados na imprensa LUIZ ALVES, PÓS-DOUTORANDO DA USP
Pesquisadores mapeiam as redes de relacionamento entre
os escândalos de desvio de dinheiro público que assolaram o Brasil após a
redemocratização.
Anões do Orçamento, Dossiê
Cayman, Pasta Rosa, Máfia dos fiscais, compra de votos para a reeleição. À
parte a CPI do Banestado,
que voltou a ganhar destaque ao ser mencionada de forma caricata na série O
Mecanismo, da Netflix, os muitos escândalos de corrupção que assolaram o Brasil após a
redemocratização parecem estar fadados ao esquecimento.
A sucessão de eventos,
crimes, personagens, investigações, bem como as parcas condenações fazem com
que a realidade brasileira de combate à corrupção seja difícil, para não dizer
quase impossível, de acompanhar. Um projeto de pesquisa da USP, no entanto,
aposta na ciência da computação para tirar esses casos do ostracismo, revelar o
verdadeiro mecanismo de funcionamento das redes de corrupção
no país e, no futuro, até prever como são formadas essas redes.
Na trama do Brasil real não há um personagem principal
que lidera um grande esquema de desvio de dinheiro público, como por vezes
ronda a imaginação popular. Mas, sim, uma rede bem engendrada de
relacionamentos da qual foram mapeados 404 nomes – entre políticos,
empresários, funcionários públicos, doleiros e laranjas –, de
pessoas envolvidas em 65 escândalos de corrupção entre 1987 e 2014. “Essas redes
criminosas operam de forma similar ao tráfico de drogas e
às redes terroristas”,
explica Luiz Alves, pós-doutorando no Instituto de Ciências Matemáticas e de
Computação da USP, em São Carlos, e um dos cinco pesquisadores do projeto.
A investigação foi feita com base em escândalos de
corrupção divulgados na grande imprensa a partir de 1987. “Antes disso, não
temos documentação sobre corrupção. O que não significa que não existia, mas
sim, que não havia uma imprensa livre para expor os casos”, explica Alves. O
resultado da pesquisa foi publicado em janeiro no artigo The dynamical
structure of political corruption networks (A estrutura
dinâmica das redes de corrupção política), no Journal of Complex
Networks. E chamou atenção do prestigioso MIT Technology Review, que
colocou o artigo na lista das publicações
mais provocantes do período.
Grafo representa as redes de corrupção
estabelecidas no Brasil entre 1986 e 2014. As cores distinguem diferentes
sub-grupos. O tamanho dos nós representa a influência do agente dentro das
redes. Os pontos R5, R6 e R3 representam os sete 'hubs' da rede
De acordo com a pesquisa, os grupos que conduzem as
ações ilícitas funcionam de forma similar a descrita pela chamada teoria das
"sociedades secretas", na maioria das vezes, com poucos membros,
cerca de oito integrantes por “célula”, que atuam constantemente para atrair
outros “talentos” e expandir seu network. O objetivo seria
maximizar o potencial de ocultamento de seus crimes. “Esses grupos operam em
redes modulares, algumas bem definidas e que compartilham conexões entre si”,
explica o matemático (veja imagem acima).
Fazer parte deste seleto grupo não é uma tarefa fácil.
A pesquisa identificou uma evolução lenta no número de participantes, um novo
membro por ano de investigação - com exceção dos períodos eleitorais. A
investigação aponta que, a cada quatro anos, as redes de corrupção se
transformam, com aumento significativo no número de envolvidos. E apesar de não
ser possível traçar uma relação direta entre eleições e
corrupção, a hipótese levantada pelos pesquisadores é que o aumento nas
atividades corruptas durante as campanhas
eleitorais pode ser uma das razões para essa coincidência. “Uma
hipótese é que cada vez que muda o partido no poder, aumenta investigação sob o
Governo anterior”, afirma Alves.
Entre 1986 e 1991, cada membro da rede tinha cerca de
três conexões. A primeira transição acontece entre 1991 e 1992 e pode ser
associada com o escândalo Caso
Collor, que levou à renúncia do então presidente emparedado
por um processo de impeachment. Nesse período o número de conexões entre os
participantes era de 6 pessoas cada um deles. A segunda grande transição
acontece entre 2004 e 2005, quando cinco novos escândalos vem à tona - Corrupção
nos Correios, Dólares na cueca, Mensalão, República de
Ribeirão e Valerioduto mineiro. A partir desse período o número de relações
entre participantes fica estável, com cerca de 18 pessoas em sua rede de
relacionamento. O impacto da Operação Lava Jato não
foi tão grande nos dados pois o recorte da investigação termina em 2014, quando
apenas 21 pessoas haviam sido expostas pelo esquema.
Essas conexões não são aleatórias. Apesar de não ser
possível apontar uma hierarquia, a pesquisa sugere que apenas sete hubs são
responsáveis por fazer pontes com os demais 397 participantes da rede. “Esses
hubs representam sete pessoas com grande influência na rede de corrupção, mas
que não necessariamente detêm o controle das atividades criminosas”, afirma
Alves. Esses personagens funcionam como o elo comum entre diferentes grupos
denunciados em esquemas de corrupção (ver grafo). O hub mais
influente tem 86 pessoas em sua rede de relacionamento.
Quem são os mais influentes da ecossistema
corrupto do Brasil?
Mas quem são esses personagens? Na trama desenhada
pelos pesquisadores foi revelado apenas que se trata de um prefeito, um doleiro, dois
banqueiros, um diretor de empresa e um senador. Alves preferiu não identificar
o sétimo participante. Isso porque, por questões jurídicas, os pesquisadores
optaram por fazer uma autocensura e retirar os nomes da pesquisa. Inicialmente,
a proposta incluía a lista de nomes, ano e escândalo em que esses “personagens”
foram citados. A justificativa é que ter o nome citado em um escândalo de
corrupção não significa que a pessoa será indiciada ou considerada culpada pela
Justiça brasileira. “Procedimentos jurídicos nos grandes casos políticos de
corrupção podem levar anos, até décadas, e muitos nunca chegam a um veredito
final”, escreveram os pesquisadores. Alves explica, no entanto, que os dados e
metodologia de pesquisa estão à disposição de quem se interessar.
Aliás, o interesse dos pesquisadores é conseguir
replicar essa metodologia. “Se tivermos acesso a dados mais completos, por meio
de parcerias com instituições da Justiça, por exemplo, poderemos construir
ferramentas ainda mais precisas e úteis para as investigações”, ressalta Alves.
No melhor estilo do filme Minority
Report – A Nova Lei, os pesquisadores apostam que é possível prever
crimes a partir do mapeamento de suspeitos envolvidos nas redes de corrupção.
“Testamos vários algoritmos e
descobrimos que é possível prever, com 25% de precisão, as novas relações que
serão estabelecidas no futuro por esses indivíduos investigados. A chance de
acertar as previsões em uma análise aleatória dessas conexões é de apenas 1%”,
afirma Alves. Esse possível sistema “pré-crime” não é capaz de prever, como no
filme, que alguém vá cometer algum delito, mas sim qual a chance de alguém que
sequer está sendo investigado fazer parte de algum novo esquema. “Isso poderá
ajudar a agilizar as investigações”, acredita o pesquisador.
Com informações de EL País
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