Quatro
governadores citados ou denunciados pela Operação Lava Jato que renunciaram até
o último final de semana para poder disputar outros cargos na eleição de 2018
perderam o foro privilegiado e poderiam ter seus processos enviados à primeira
instância.
Por João Fellet -Da BBC Brasil em Brasília
O
cenário se aplica a Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Beto Richa (PSDB-PR), Marconi
Perillo (PSDB-GO) e Raimundo Colombo (PSD-SC), cujos casos estavam a cargo do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte que lida com processos contra
governadores.
Com
a perda do foro privilegiado, os casos podem ser enviados a juízos de primeira
instância, entre as quais a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, onde atua o
juiz Sérgio Moro, responsável por grande parte das condenações na Lava Jato.
A
legislação brasileira exige que prefeitos, governadores e presidente da
República que queiram concorrer a cargos diferentes dos que ocupam renunciem
até seis meses antes da eleição. Também devem deixar os postos candidatos que
sejam servidores ou tenham cargos de confiança em órgãos públicos, como
ministros e secretários.
O
presidente, o vice-presidente, deputados federais, senadores e ministros só
podem ser julgados pela última instância, o STF, e não por justiças inferiores
enquanto estiverem nesses cargos.
Entre
os sete ministros do governo Michel Temer que renunciaram, um também foi citado
na Lava Jato: Leonardo Picciani (MDB-RJ), que chefiava o Esporte. Mas ele não
perderá o foro privilegiado, pois reassumiu o cargo de deputado federal.
Deputados
federais e senadores, que também têm foro privilegiado, não precisam renunciar
para concorrer a qualquer cargo eleitoral. Congressistas investigados só
perderão o foro se não conseguirem se reeleger.
Sem condenações nas cortes superiores
Entre os investigados da Lava Jato, ter foro
privilegiado costuma ser considerado uma vantagem, pois acredita-se que os
casos tramitem mais lentamente nas cortes superiores.
Juízes de primeiro grau condenaram 160 pessoas nos
quatro anos de vida da operação. Já as duas cortes superiores do país - o
Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) - não
condenaram nenhum réu da Lava Jato com foro privilegiado até agora.
O advogado e ex-subprocurador geral da República Celso
Roberto da Cunha Lima diz à BBC Brasil que a perda de foro privilegiado tem o
potencial de acelerar os casos dos ex-governadores. Mas ele afirma que o prazo
de seis meses até a eleição é muito curto para que as ações cheguem ao fim ou
tenham desdobramentos importantes.
TJ
(foto) e STF não condenaram nenhum réu da Lava Jato com foro privilegiado
"A velocidade da tramitação depende muito do juiz
que ficar responsável na primeira instância - há juízes rápidos para decidir e
outros que podem até atrasar os casos", analisa.
No caso de ações que já estejam tramitando, caberá às
cortes superiores definir quais varas de primeira instância deverão assumi-las.
Normalmente os casos são remetidos às varas onde as investigações se iniciaram.
Lei da Ficha Limpa
Mesmo que algum ex-governador seja condenado em
primeira instância até a eleição, em tese continuará apto a participar da
disputa, pois a Lei da Ficha Limpa exige condenação em segundo grau para barrar
a candidatura.
Professor de Direito Penal da USP, Alamiro Salvador
Netto diz que a perda de foro não necessariamente fará com que os casos de
ex-governadores passem para a primeira instância.
Ele afirma que, nos processos em que há réus com e sem
foro privilegiado, muitas vezes os tribunais superiores têm evitado
desmembrá-los e se responsabilizado por julgar todos os envolvidos.
Netto diz que o avanço das ações de modo a produzir
resultados antes da eleição exigiria "um movimento orquestrado e
deliberado" dos investigadores.
"A não ser que haja uma estratégia já armada para
dar atenção especial a esses casos, muito provavelmente ocorrerá um
pingue-pongue, com as ações descendo para a primeira instância e subindo outra
vez nos casos em que os candidatos se elegerem."
Independentemente dos resultados eleitorais em outubro,
o destino de vários investigados na Lava Jato com foro privilegiado poderá
mudar em breve, caso o STF termine de julgar uma ação que busca restringir o
foro a autoridades acusadas de crimes cometidos durante o mandato. Hoje, o foro
é concedido mesmo em casos de crimes ocorridos antes da posse.
Sete dos 11 membros da corte já votaram a favor da
regra mais restritiva, mas a ação foi suspensa em novembro de 2017 por um
pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O ministro devolveu o processo em
março de 2018. Agora cabe à presidente da corte, Cármen Lúcia, marcar uma data
para a retomada do julgamento.
Confira os casos dos ex-governadores que perderam o
foro privilegiado e poderiam ter seus casos enviados à primeira instância:
Geraldo Alckmin (PSDB-SP)
Alckmin foi
citado em delações de executivos da Odebrecht, que dizem ter repassado R$ 10,3
milhões às campanhas do tucano em 2010 e 2014 por meio de caixa dois. Foto Saraiva/Azimge
Deixou o governo de São Paulo para concorrer à
Presidência.
Foi citado em delações de executivos da Odebrecht, que
dizem ter repassado R$ 10,3 milhões às campanhas do tucano em 2010 e 2014 por
meio de caixa dois. Os recursos teriam sido entregues ao cunhado de Alckmin,
Adhemar César Ribeiro.
Na última sexta-feira, em outro desdobramento da Lava
Jato, a Justiça Federal em São Paulo ordenou a prisão do ex-diretor da Dersa
(estatal de desenvolvimento rodoviário) Paulo Vieira de Souza, nomeado por
Alckmin em 2005. Paulo Preto, como é conhecido, é acusado de desviar R$ 7,7
milhões da estatal entre 2009 e 2011. Alckmin diz desconhecer Paulo Preto e
nega ter recebido caixa dois em campanhas.
Marconi Perillo (PSDB-GO)
Marconi Perillo foi denunciado pela
Procuradoria Geral da República em março de 2017, acusado de corrupção passiva ( Foto:
Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Deixou
o governo de Goiás e deve concorrer ao Senado.
Foi
denunciado pela Procuradoria Geral da República em março de 2017, acusado de
corrupção passiva. Segundo a denúncia, Marconi recorreu ao empresário Fernando
Cavendish e ao contraventor Carlinhos Cachoeira para pagar uma dívida de R$ 90
mil com o marqueteiro Luiz Carlos Bodoni.
Em
troca, segundo a denúncia, Marconi aumentou entre 2011 e 2012 os valores de
contratos entre o governo goiano e a empreiteira Delta, então presidida por
Cavendish.
O
ex-governador goiano diz que a denúncia jamais foi comprovada.
Raimundo Colombo (PSD-SC)
Raimundo Colombo foi acusado de
receber R$ 2 milhões da Odebrecht via caixa dois na campanha de 2014 em troca
de vantagens à empreiteira (Foto:
José Cruz CRUZ/Agência Brasil)
Deixou o governo catarinense para concorrer ao Senado.
Foi denunciado pela Procuradoria Geral da República em
março, acusado de receber R$ 2 milhões da Odebrecht via caixa dois na campanha
de 2014 em troca de vantagens à empreiteira.
A denúncia se baseia em delações de executivos da
empresa.
O ex-governador também era investigado pelo crime de
corrupção, mas a acusação foi arquivada. Ele nega ter recebido caixa dois na
campanha.
Beto Richa (PSDB-PR)
Um
executivo da Odebrecht disse que Beto Richa recebeu R$ 2,5 milhões via caixa
dois na campanha de 2014 (FOTO MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL)
Deixou o governo paranaense para concorrer ao Senado.
Citado na delação da Odebrecht, teve um inquérito que
tramitava em primeira instância suspenso pelo STF em 2018. A corte avaliou que,
como Richa tinha foro privilegiado, o caso deveria tramitar no STJ.
Com a perda do foro, os promotores poderão retomar o
caso.
Um executivo da Odebrecht disse que Richa recebeu R$
2,5 milhões via caixa dois na campanha de 2014. O ex-governador nega.
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