Luiz nassif
O enfrentamento do arbítrio é para os grandes homens.
Entender a desproporção do jogo político e ficar na trincheira da defesa de
princípios independe de conhecimento: é questão de formaçào de caráter.
O grande Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, pode
testemunhar de perto a importância dos diques de contenção dos abusos, quando
pediu ajuda ao então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Raymundo
Faoro.
Abaixo, o relato de um ex-aluno de Barroso sobre
aqueles tempos bicudos. Resta saber quanto desse exemplo foi assimilado pelo
Ministro.
Por
Romulus
PEQUENA NARRATIVA QUE NÃO POR ACASO ME VEIO À MENTE...
O ministro cuja viola parece estar no saco mencionou em
sala algumas vezes - com emoção palpável - episodio em que, ainda estudante e
presidente do grêmio de nossa faculdade (a Faculdade de Direito da UERJ), fora
intimado a comparecer ao DOPS. Procurara o apoio do então diretor da faculdade,
para que este apenas ligasse para algum general de plantão e dissesse que estava
de olho no bem estar do menino. Pois o tal diretor virou-se para ele e disse:
"eu não gosto de comunista, não quero ter nada a ver com comunista e quero
mais é que comunista se f...".
Acuado, ele então se dirigiu à OAB. Recebido pela Dra.
Lydia - futura mártir da redemocratização - foi então encaminhado ao gabinete
presidencial e prontamente recebido pelo Dr. Raimundo Faoro. Este, naqueles
tempos bicudos, uma vez mais se expôs, esticando um pouco mais a sua corda, e
ativou a sua rede de contatos para tentar proteger aquele menino vulnerável dos
excessos do arbítrio. Na cabeça do menino só o fato de os "meganhas"
saberem que alguém daquela estatura se preocupava com o seu bem estar já
serviria como dissuasão contra as violências que temia. Deu-lhe algum alívio
psicológico ante o inevitável. Dias depois foi então ele depor e felizmente
nada de grave se passou. Como sabemos, outros não tiveram tanto sorte ou o
feliz apoio do Dr. Faoro a tempo.
Quem poderá com exatidão determinar o papel que para o
"final feliz" não desempenhou a atuação de Raimundo Faoro? Este
antagonizou uma vez mais as forças majoritárias de então, passando a mão na
cabeça do "menino comunista". Aliás, era comunista mesmo? Não havia
necessidade de sê-lo de fato para ir para o DOPS naquela época sombria...
bastava a dúvida ou a crítica. Faoro, como outros presidentes da OAB do
período, certamente temiam por si e pelos seus. No entanto nunca se omitiram.
Dona Lydia pagou o preço - capital - desta e de outras ousadias. A sociedade
agradece e usufrui até hoje do sacrifício dela o dos presidentes da OAB a que
serviu. Destes todos nunca nos esqueceremos. Mesmo aqueles que, como eu, já
cresceram numa democracia.
Esperemos que Faoro inspire o homem em que veio a se
tornar aquele menino vulnerável. Não precisa ser o seu espírito a iluminá-lo -
onde quer que esteja ou não esteja, de acordo com o freguês. Basta para tanto a
sua biografia aqui nesta terra mesmo.
Como ex-aluno e admirador, espero que o Min. Barroso
uma vez mais recite com brilhantismo os entendimentos tão bem formulados em sua
tese de livre-docência na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Essa tese
daria origem ao seu livro (creio que) de maior circulação: "O Direito Constitucional
e a Efetividade de suas Normas".
Algumas passagens, que mesmo os leigos bem entendem:
"O malogro do constitucionalismo, no Brasil e
alhures, vem associado à falta de efetividade da Constituição, de sua
incapacidade de moldar e submeter a realidade social. Naturalmente, a
Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pelas
circunstâncias concretas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressão
das situações de fato existentes. A Constituição tem uma existência própria,
autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e
conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a rea-
lidade, uma tensão permanente. É neste espaço que se definem as possibilidades
e os limites do direito consti- tucional".
"No nível lógico, nenhuma lei, qualquer que seja
sua hierarquia, é editada para não ser cumprida. Sem embargo, ao menos
potencialmente, existe sempre um antagonismo entre o dever-ser tipificado na
norma e o ser da realidade social. Se assim não fosse, seria desnecessária a
regra, pois não haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algo que
ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente aqui que reside o impasse
científico que invalida a suposição, difundida e equivocada, de que o direito
deve limitar-se a expressar a realidade de fato. Isso seria sua negação. De
outra parte, é certo que o direito se forma com elementos colhidos na
realidade, e seria condenada ao insucesso a legislação que não tivesse
ressonância no sentimento social. O equilíbrio entre esses dois extremos é que
conduz a um ordenamento jurídico socialmente eficaz".
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