Com patrimônio líquido
avaliado em R$ 1 bilhão e presença em pelo menos 200 municípios do Estado, a
companhia era atraente o suficiente para conquistar um parceiro privado.
O interesse de encontrar um parceiro privado para a
Casan em Santa Catarina nunca foi segredo no governo Raimundo Colombo (PSD).
Assim como a Odebrecht nunca escondeu de ninguém a vontade de ampliar a atuação
como concessionária de saneamento no Estado. As delações dos ex-diretores da
companhia Paulo Roberto Welzel e Fernando Reis revelam agora que esse interesse
mútuo, para além dos planos comerciais, estaria no centro de um acerto que
financiou e pavimentou a chegada do lageano à Casa D’Agronômica.
No primeiro contato de Raimundo Colombo com Fernando
Reis, em meados de 2010, na sala vip do HSBC no Aeroporto de Congonhas, o
pessedista teria apresentado o plano de governo que previa uma “forte
participação da iniciativa privada” que visava, dentre outros ativos, a venda
de parte da Casan. Foi no final dessa conversa que o atual governador teria
pedido R$ 2 milhões. Mais tarde, em um novo encontro, a contribuição foi
confirmada.
Na época, a intenção oficialmente divulgada era atrair
recursos para uma estatal deficitária — havia fechado 2010 com R$ 11,4 milhões
de prejuízo —, criar um fundo e ampliar a cobertura no Estado. Sabe-se agora
que esse plano de sanear as contas da estatal passava também pela negociação
com a Odebrecht.
O delator afirma que, ao longo do processo de auditoria
conduzido pela KPMG, esteve diversas vezes no gabinete de Ênio Branco no Centro
Administrativo. Nesses encontros, Branco atualizava o ex-diretor da Odebrecht
sobre o andamento do processo e dava estimativas de valor de venda da estatal.
Constituição de SC era barreira à venda da Casan
Mas para vender a Casan à iniciativa privada havia um
obstáculo jurídico pela frente: a Constituição Estadual exigia que qualquer
transferência de ações dependia de autorização do Legislativo e de referendo
popular. Em meados de 2011, o governo do Estado propôs uma emenda (PEC) que
suprimia do texto constitucional justamente tais exigências.
Não sem barulho. Assim que a PEC chegou à Assembleia,
trabalhadores da estatal, representados pelo Sindicato dos Trabalhadores em
Água, Esgoto e Meio Ambiente de SC (Sintaema), e deputados da oposição, em
especial o líder do PT no Legislativo, deputado Dirceu Dresch, saíram na
dianteira reclamando da proposta. Ainda assim, em setembro de 2011, com 30
votos a 8, o parlamento aprovou a emenda.
Na época, o então presidente da Casan, Dalírio Beber,
defendia que a medida não significaria privatização da estatal já que, na
prática, o governo estadual não iria abrir mão do controle acionário, nem da
gestão da companhia. Com patrimônio líquido avaliado em R$ 1 bilhão e presença
em pelo menos 200 municípios do Estado, a companhia era atraente o suficiente
para conquistar um parceiro privado.
A aprovação da PEC veio em sintonia com um movimento de
mercado da Odebrecht. A Foz do Brasil, controlada pela empreiteira, havia
adquirido controle da companhia de saneamento do Tocantins, a Saneatins. O
presidente da empresa na época, Fernando Reis, chegou a declarar em outubro
daquele ano que não descartava entrar com participação em outras estatais,
entre elas a Casan, a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) e a
Sanesul, do Mato Grosso do Sul. Foi também em 2010 que a Odebrecht assumiu a
gestão do saneamento de Blumenau.
Negociação teria continuado com promessas até 2015
O que a Odebrecht viu a seguir, a julgar pelo
depoimento do ex-executivo, foi uma série de dribles por parte do governo do
Estado. Na prática, a venda das ações nunca aconteceu.
Em 2011, o governo contratou uma empresa de mercado
para fazer a valoração – uma estimativa de quanto a Casan poderia captar no
mercado com uma venda de ações. Os números nunca vieram oficialmente a público,
mas comentava-se nos bastidores que a cifra era baixa — cerca de R$ 240 milhões
— e que havia feito o governo recuar da intenção. Havia dever de casa a ser
feito; melhorar a gestão financeira era uma dessas tarefas.
Nadelação, o ex-executivo da Odebrecht Fernando Cunha
afirma que participou de um jantar na Casa d¿Agronomica em 2012, quando o
governador, na companhia do então secretário da Fazenda, Nelson Serpa, e de Ênio
Branco, o atualizou a respeito do processo de venda. Colombo, diz Cunha,
informou que era necessário resolver o passivo previdenciário da empresa, já
que isso afetava o valor de venda.
No final de 2012, Fernando Cunha teria vindo mais uma
vez ao Estado para se encontrar com Colombo. Foi quando teria ouvido nova
promessa: o governador apregoou que faria no segundo mandato tudo que não fez
no primeiro. O chefe do Executivo teria dito que agora tinha maior conhecimento
de entraves e manifestou que o orçamento de campanha era de R$ 20 milhões.
À Odebrecht, Colombo teria pedido um quarto do
orçamento total, valor que Cunha diz ter repassado. Já em agosto de 2014,
Fernando Cunha recebe mais um aceno de que, agora sim, o Estado daria
oportunidades de negócios à empreiteira. Quem fez o aceno, afirma o
ex-executivo, foi o secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni. Em fevereiro de
2015, Gavazzoni teria informado a Fernando Cunha que a Celesc, detentora de 20%
da Casan, estava em vias de decidir pela venda de suas ações. O Estado venderia
29%. Outro drible.
No último encontro com Colombo e Gavazzoni, em agosto
de 2015, os diretores da Odebrecht já estavam presos. A essa altura, a empresa
não teria mais condições de efetuar o negócio.
CLICK os documentos da delação que envolve
Raimundo Colombo:
Fonte: Diário Catarinense – Jornalistas Júlia Pithhan e
Larissa Linder
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