Foto: Fabio
Pozzebom/Agência Brasil
Por José Dirceu no GGN
Espelho é proibido. Vidro também. Então, pegue um prato
grande que reflita sua imagem – e mantenha ele limpo sempre. Água mineral? Só
com receita médica. A solução é ferver a água ou tomá-la “in natura” da
torneira. Eu nunca tive problemas.
Saúde? É fácil cuidar. Bebida, cigarro, gordura, ou é
proibido ou não existe simplesmente. Você pode pedir comida hipossódica e
evitar excessos na sexta-feira, quando as famílias de todos os presos podem
trazer comida. Embora o peso seja controlado. Nada que possa virar cachaça – a
revista é rigorosa.
O preso deve fazer exercícios todos os dias. No meu
caso, 71 anos, é light. O importante é manter os músculos lombares fortes. E as
pernas. Flexão, abdominal, pesos, caminhadas. No meu caso, pelo menos 20 minutos
diários. É importante tomar sol ou ingerir vitamina D – para mim, a
recomendação é de 20 minutos diários. O banho de sol é de cinco dias por
semana, mas na média são três por conta de chuva, normas de segurança, etc.
No mais, é ler, estudar e escrever, um pouco de tudo.
Aqui tem biblioteca – e é boa. Em geral, literatura brasileira e mundial,
auto-ajuda, espiritismo, cristianismo, catolicismo, correntes evangélicas.
Nossos clássicos – e outros atuais — estão à disposição. Há cursos de
alfabetização.
Na cadeia, você passa a dar importância às pequenas
coisas. À rotina. À limpeza coletiva em sistema de rodízio. E, muito, à
disciplina.
Preso primeiro chora, depois chama a mãe e seus santos,
e faz remissão. Cada três dias trabalhados valem um dia de pena cumprida; cada
livro lido e resenhado vale mais quatro dias; cada 12 de estudo, um dia de
remissão. Assim, em 12 meses, o preso pode remir seis meses, cinco em geral.
Fora a remissão, o trabalho, a leitura, o estudo e a
escrita transformam a prisão em vida produtiva e criativa, além de passar o
tempo de maneira útil e agradável.
A luta do preso é para viver na cadeia “uma vida
normal”, de rotina, dormir sem indutor do sono, as horas necessárias, trabalhar
oito horas — e ter horas de lazer, de convivência comum. Para os jogos – dominó
e xadrez –, futebol, exercícios e caminhadas, agregar “conversa fiada”, contar
estórias, falar da família, da vida, dos processos, dos amores proibidos, da
liberdade … dos filhos e esposas.
Preso tem que manter cela, corredor e banheiros
coletivos limpos, duas vezes por semana; tem que lavar as cuecas (a roupa é
lavada na lavanderia do presídio).
Preso pode receber material de higiene pessoal e de
limpeza – um Sedex com o básico de uma cesta familiar, observando as questões de
segurança. Tudo de que um preso precisa para sobreviver. Os itens são básicos
mesmo, nada de supérfluos.
A comida é simples, mas suficiente. No café da manhã,
café com leite, pão e manteiga. No almoço e na janta, feijão (pouco, ou porque
azeda ou porque está caro), muito arroz, carne e legumes. De carne, só frango –
peito! – ou carne de vaca moída ou em tiras. Ninguém pode dizer que a comida
não é honesta. Dá pra sobrevier – e bem. O problema é a mesma comida meses,
anos…
Mas a comida que a família traz, às sextas feiras, dia
de visita, resolve a monotonia. Todas as sextas feiras, das 13 e 30 às 16
horas, preso recebe visita da família – duas pessoas. Na verdade, é o único
momento em que o preso sente a liberdade, o afeto, o amor e a esperança.
Quem
manda?
Mandela dizia que a pessoa mais importante na vida do
preso é o carcereiro. Ele tinha toda a razão. Manter uma relação respeitosa e
civilizada com a direção do presídio e com os agentes é questão básica,
direitos e deveres, como tudo na vida. No caso dos presos, direitos e deveres
regulados pela Lei de Execuções Penais e pela direção do presídio.
Presídio é, no Brasil, por definição, um lugar de alta
periculosidade e insalubridade, onde falta tudo. Na verdade, não há recursos
orçamentários para manutenção e reforma, mesmo tendo mão de obra de graça, a
dos presos. Os recursos não dão para o custeio. E isso com educação e saúde
sendo obrigações do Estado.
A escola e o posto de saúde são ligados à estrutura
administrativa do estado na região – no nosso caso, a escola é o “Faraco” e o
centro médico, o CMP- Complexo Médico Penal?
O mais grave problema, inclusive aqui, no Paraná, mesmo
no CMP – hoje um misto de “cadeião” e hospital – é a falta de trabalho, de
colônias agrícolas e industriais, e de escolas. O trabalho e o estudo devem ser
obrigatórios para o preso, insumo básico para a ressocialização e a
qualificação, além de suas repercussões na remissão da pena.
Sem trabalho, sem estudo, amontoados em celas
superlotadas, os 650 mil presos do país são presas fáceis para o crime
organizado. Pior, vivem numa situação degradante e violenta que os transformam
em cidadãos violentos, quando não em criminosos violentos.
Uma combinação mortal – aumento das penas, crimes
hediondos e criminalização do usuário de droga – fez explodir a população
carcerária em regime fechado. Com progressão só com 25% da pena cumprida, e sem
indulto.
O mais grave é a incapacidade do Judiciário-MPF e dos
juízes frente a um quadro de injustiça e ilegalidade único – 40% dos presos são
provisórios, não julgados. A tudo isso, soma-se a superlotação e degradação dos
presídios. Fora a corrupção ou mesmo o controle dos presídios pelo crime organizado.
Quem são os responsáveis por esse estado de coisas? Os
juízes das Varas de Execuções Penal responsáveis pelas penitenciárias e os
conselhos e secretários de Segurança e/ou Justiça. Na realidade, agentes do
Estado, omissos e responsáveis pela situação que estamos vivendo.
Situações paliativas, como recorrer aos famosos
“mutirões” para tirar da cadeia os presos que ali estão sem condenação em
Segunda Instância, não resolvem. Só postergam o problema. Também não é saída o
recurso à reclusão de segurança máxima, recomendada em casos determinados.
O que pode abre a luz no fim do túnel é uma mudança
radical da política penal e penitenciária. Trabalho e estudo, qualificação do
preso, separá-lo pelo tipo de crime e pena. Mudar radicalmente o sistema pena:
progressão da pena, penas menores para crimes não violentos, semi-aberto
domiciliar com controle eletrônico, penas de multa e pecuniárias, trabalho
comunitário, perda de patrimônio e função pública.
O preso produtivo, além de manutenção e reforma dos
presídios, pode produzir móveis, material esportivo, equipamentos em geral,
roupas, trabalhar em obras, infraestrutura pública etc. E os contratos, entre o
Estado e empresas, quando for o caso, podem ser administrados por entidades sem
fins lucrativos.
Decisão
política
Falta vontade política e decisão de mudar radicalmente
a política penal e penitenciária.
Quando você convive com a dedicação dos professores, o
profissionalismo dos agentes e profissionais de saúde, em condições especiais
da profissão (estamos falando de uma cadeia); com presos que trabalham e
estudam, no caso do semi-aberto; a conclusão, simples, é que é, sim, possível
mudar o sistema. E reintegrar os presos.
O horizonte está no aprisionamento com progressão da
pena. Desde que cumpridas as exigências da lei, o tempo de prisão e a remissão
por trabalho-estudo.
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