domingo, 26 de março de 2017

Carne Fraca: em 1902, estourou a Revolta das Carnes Verdes (frescas)

A revista "Tagarela" de 07 de junho de 1902 | Reprodução

Revolta das Carnes Verdes

Por Jane Santucci, arquiteta, pesquisadora e professora da EBA/UFRJ no Blog do Ansemo Gois

Em 1902, estourou a Revolta das Carnes Verdes (frescas) — dois anos antes da Revolta da Vacina —, que deixou nas ruas do Rio um rastro de destruição e centenas de presos. Começou com a controversa questão do abastecimento de carnes: a Empresa de Carnes Verdes tinha como acionistas alguns políticos e empresários parentes do presidente Campos Sales (entre 1898 e 1902), e se beneficiava da exclusividade do comércio do produto, que vinha do Matadouro Municipal de Santa Cruz. A concessão do monopólio estava prestes a vencer, e havia outros empresários interessados no promissor mercado. Proprietários de matadouros clandestinos, que não passavam pela inspeção sanitária, ofereciam seu produto a um custo mais baixo. Era a carne consumida pelos pobres.

A luta de interesses de ambos os lados estava armada e o debate, presente nos jornais, no Senado e na boca do povo. Explodiu quando foram expostas, na porta da redação do jornal “Correio da Manhã”, vísceras bovinas contaminadas — segundo denúncias, provenientes da Empresa oficial. O episódio ficou conhecido como “O fígado apostemado”, e estampado por vários dias nas manchetes. Diante do escândalo, um juiz liberou a venda e todo tipo de carne passou a ser comercializada — inclusive a de animais contaminados com tuberculose e febre aftosa. A vigilância sanitária passou, então, a recolher e incinerar os produtos suspeitos, o que causou dupla revolta na população: a retirada da carne acessível e a sua inutilização.

Os revoltosos passaram a saquear os carroções de distribuição da mercadoria. As carroças carregadas de carnes eram viradas e o povo, em grande alvoroço, avançava recolhendo o produto. A aproximação da polícia era recebida com tiros e pedradas. A rebelião contagiou toda a cidade: nas principais ruas, bondes eram incendiados, postes arrancados e barricadas construídas para enfrentar a polícia. A situação ficou incontrolável e, no quarto dia de protestos, o prefeito Xavier da Silveira (entre 1901 e 1902) entregou sua carta de demissão ao presidente. Alguns dias depois, foi declarado o fim do monopólio, os concorrentes festejaram e o preço da carne subiu.

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