A revista
"Tagarela" de 07 de junho de 1902 | Reprodução
Revolta das Carnes Verdes
Por Jane Santucci, arquiteta, pesquisadora
e professora da EBA/UFRJ no Blog do Ansemo Gois
Em 1902, estourou a Revolta das Carnes Verdes (frescas)
— dois anos antes da Revolta da Vacina —, que deixou nas ruas do Rio um rastro
de destruição e centenas de presos. Começou com a controversa questão do
abastecimento de carnes: a Empresa de Carnes Verdes tinha como acionistas
alguns políticos e empresários parentes do presidente Campos Sales (entre 1898
e 1902), e se beneficiava da exclusividade do comércio do produto, que vinha do
Matadouro Municipal de Santa Cruz. A concessão do monopólio estava prestes a
vencer, e havia outros empresários interessados no promissor mercado.
Proprietários de matadouros clandestinos, que não passavam pela inspeção
sanitária, ofereciam seu produto a um custo mais baixo. Era a carne consumida
pelos pobres.
A luta de interesses de ambos os lados estava armada e
o debate, presente nos jornais, no Senado e na boca do povo. Explodiu quando
foram expostas, na porta da redação do jornal “Correio da Manhã”, vísceras
bovinas contaminadas — segundo denúncias, provenientes da Empresa oficial. O
episódio ficou conhecido como “O fígado apostemado”, e estampado por vários
dias nas manchetes. Diante do escândalo, um juiz liberou a venda e todo tipo de
carne passou a ser comercializada — inclusive a de animais contaminados com
tuberculose e febre aftosa. A vigilância sanitária passou, então, a recolher e
incinerar os produtos suspeitos, o que causou dupla revolta na população: a
retirada da carne acessível e a sua inutilização.
Os revoltosos passaram a saquear os carroções de
distribuição da mercadoria. As carroças carregadas de carnes eram viradas e o
povo, em grande alvoroço, avançava recolhendo o produto. A aproximação da
polícia era recebida com tiros e pedradas. A rebelião contagiou toda a cidade:
nas principais ruas, bondes eram incendiados, postes arrancados e barricadas
construídas para enfrentar a polícia. A situação ficou incontrolável e, no
quarto dia de protestos, o prefeito Xavier da Silveira (entre 1901 e 1902)
entregou sua carta de demissão ao presidente. Alguns dias depois, foi declarado
o fim do monopólio, os concorrentes festejaram e o preço da carne subiu.
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