Ministra
Carmen Lúcia com a ADIN no gaveta
Por Luis
Nassif do Jornal GGN
Para a
medicina, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ministra Carmen
Lucia, seria um placebo – uma substância sem propriedades farmacológicas
destinada unicamente a impressionar os pacientes.
A Ministra é
o maior exemplo desses tempos de superficialidade das redes sociais, das
pessoas que exercitam o senso comum, o jogo de cena exclusivamente para obter
aprovação do botão “curtir”, sem nenhuma preocupação com aspectos mais
profundos dos temas tratados. E se está falando da presidente da mais alta
corte nacional.
Ontem,
Carmen Lúcia cometeu mais um de seus momentos Facebook.
Analisando a
questão dos remédios adquiridos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) através de
ações judiciais individuais, a popular Carmen Lucia declarou: “A dor tem
pressa”. Disse mais:
“Eu sou
juíza, não sou ministra da Fazenda. (ganhou um curtir) Não desconheço a
responsabilidade dele. Eu não sou ministra da Saúde (mais dois curtir).
Eu sou juíza, eu tenho a Constituição, que diz que é garantido o direito à
saúde. Eu estudo que a medicina pode oferecer uma alternativa para essa pessoa
viver com dignidade (ganhou mais cinco curtir)” (http://migre.me/vrDnL).
Fantástica
humanista, uma iluminista, defensora da Constituição, dos brasileiros que
necessitam de medicamentos:
“Há uma
democratização da sociedade brasileira. O cidadão brasileiro que morria até
pelo menos a década de 1980, antes dessa Constituição, não sabia que ele tinha
direito à saúde, que podia reivindicar. Hoje ele sabe e vai à luta, porque a
democracia voltou ao Brasil. Graças a Deus!”
Em relação
às sentenças obrigando o SUS a adquirir medicamentos, há um conjunto de pontos
a serem discutidos, mas que a Ministra passa ao largo.
O primeiro,
o alto custo das sentenças, cerca de R$ 7 bilhões, desviando recursos de outros
programas do SUS.
A Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) trabalha com protocolos, que definem
os tipos de doença e os medicamentos e tratamentos adequados. Os remédios não
estão na lista de medicamentos autorizados. Portanto, são sentenças de
tribunais não especializados em medicina obrigando o SUS a adquirir remédios
que não fazem parte dos protocolos da Anvisa. O que traz a desconfiança de que,
em alguns casos, médicos e laboratórios possam se associar para criar demandas
para produtos sofisticados e de uso não comprovado.
Os grandes
sanitaristas brasileiros – de Adib Jatene a todos os demais Ministros da Saúde
– desde sempre alertaram que muitas das sofisticações médicas, em equipamentos
ou medicamentos, são incompatíveis com a realidade brasileira, criando uma
demanda pouco realista sem análise correta da relação custo-benefício.
Mas os
laboratórios ganham!
O que seria
uma política de saúde responsável? Por exemplo, uma ADIN (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) que questionasse a Lei de Propriedade Industrial quando
garante o monopólio a produtos e medicamentos já de domínio público, os
chamados pipeline.
Com a
criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) houve a assinatura do Acordo
TRIPS, para regular a propriedade intelectual. Em pleno governo FHC, o Brasil
ofereceu muito mais do que o previsto no acordo: incluiu na proteção as
chamadas patentes pipeline, um sistema temporário para campos tecnológicos não
reconhecidos anteriormente. Entre eles, vários medicamentos essenciais para a
saúde pública.
Artigo da
USP (http://migre.me/vrDKy) de
julho/outubro de 2010 estimou os custos adicionais para o Brasil por
medicamentos de AIDS, sem contrapartida do aumento do investimento em P&D.
Em 26 de
fevereiro de 2010, a Procurador Geral da República (PGR) encaminhou ao Supremo
um ADIN assinada pela vice-procuradora Geral da República Deborah Duprat e pelo
PGR Roberto Gurgel.
A ADIN
esmiúça a função e o papel das patentes. Explica que o direito fundamental não
é do inventor, que tem apenas direitos de natureza patrimonial, mas da
coletividade. É o requisito da novidade que compatibiliza os direitos dos
inventores com os da coletividade.
A ADIN
afirmava que as patentes pipeline seria inconstitucionais “exatamente por
permitirem o monopólio de produtos e medicamentos que já estariam em domínio
público, integrando o patrimônio comum da sociedade, sem que apresentasse,
assim, o requisito da novidade”.
A ADIN caiu
na relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Até hoje não saiu de sua gaveta. “Graças
a Deus!”, diriam não os doentes, mas as multinacionais farmacêuticas.
Leia mais: Ação
Direta de Inconstitucionalidade 4.234
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